Conversava há uns dias com emigrantes portugueses na Alemanha que falavam da revolta quase generalizada naquele país contra a marca finlandesa de telemóveis Nokia, na sequência do encerramento da sua fábrica em Bochum no ano de 2008. Diziam que chegaram ao ponto de praticamente não existirem terminais Nokia disponíveis no mercado alemão, mesmo para os eventuais clientes da marca que pretendam continuar a sê-lo, sendo assim um boicote generalizado que perdura até ao presente.
O que deve ser tido em conta neste caso é algo que muitas empresas alemãs, um pouco por todo o mundo, incluindo em Portugal, têm feito, encerrando unidades de produção mesmo em países que são grandes consumidores dos seus produtos apenas por razões de redução de custos de produção. Seria então de considerar que estas empresas que encerram poderiam estar em dificuldades financeiras e, assim sendo, teriam de optar por outras estratégias. Assim não sucedeu quando a unidade de produção das viaturas comercias Opel na Azambuja, mas a dualidade de critérios serve normalmente os mais ricos em favor dos mais pobres, como em todas as outras circunstâncias na vida.
O encerramento da fábrica de Bochum está enquadrado nas consequências lógicas de uma globalização mal compreendida e pior explicada. A referida unidade industrial, havia recebido fundos e benefícios fiscais avultados para a sua instalação na referida cidade alemã.
Ao contrário da esmagadora maioria das empresas alemãs deslocalizadas, a Nokia direccionou a sua produção de equipamentos de baixa e média gama para a Roménia e para a Hungria, respectivamente. A produção no continente asiático foi praticamente abandonada no que diz respeito aos terminais, tendo ficado naquele continente a produção dos acessórios. Podemos dizer que a Nokia limitou a sua produção à Europa, em algo que podia e deveria ser visto como algo de estratégico num momento particularmente difícil para o fabricante finlandês, mas também coincidentemente, num momento de grande dificuldade nas economias europeias.
É precisamente aqui que podemos e devemos analisar o que está por trás deste encerramento da unidade de Bochum. Será apenas uma questão de redução de custos, puro e simples, numa lógica meramente economicista? É óbvio que o fabricante opera num mercado muito agressivo e tem de reduzir os seus custos, mas a origem do problema está a ocidente e a oriente da velha Europa e representa uma das maiores falácias mercantilistas de que há memória.
A origem dos problemas do mais conceituado fabricante de hardware de terminais móveis do mundo está em primeiro plano nos Estados Unidos da América e é gerado pelo poder avassalador de Marketing de duas gigantes tecnológicas, a Apple e a Google. Por outro lado, a oriente, porque os grandes fabricantes emergentes da Ásia, optaram por unir-se à plataforma pseudo-open-source da Google no sentido de reduzir ainda mais custos de produção e aumentar o retorno dos investimentos avultados que estão a fazer em desenvolvimento de hardware. Fabricantes como a HTC e mais recentemente a Samsung e a LG tudo têm feito para conquistar mercado nos terminais móveis um pouco por todo o mundo, sustentados na ideia lançada pela Apple de fazer do sistema operativo escolhido a base fundamental de todo o suposto desenvolvimento tecnológico.
A plataforma Android, e a plataforma iOS da Apple (da qual foram retirar o mote de basear no sistema a evolução tecnológica), cresceram baseados em conceitos avançados de marketing, pese embora o facto de não acompanharem no hardware aquilo que anunciam como sendo as grandes revoluções no software. Daí que se tornou comum a ideia de inovação associada às duas marcas que em nada inovaram de facto em termos de utilização real e funcionalidade dos equipamentos abrangidos pelos sistemas em causa.
Enquanto estes sistemas eram alimentados, a Nokia apostou no desenvolvimento próprio da sua plataforma profissional de sempre, que antes fora desenvolvido de forma fechada por um conjunto de fabricantes, mas que, por razões óbvias, havia de transformar em open source para um rápido desenvolvimento de aplicações em conjunto com o desenvolvimento da plataforma em si. O fabricante finlandês descurou o facto de haver uma pressão de mercado para equipamentos com interactividade meramente táctil e continuou concentrado no seu mercado alvo que havia de se alterar profundamente. Um mercado altera-se quando as necessidades elas próprias lhes são induzidas. Quando se presume ou faz presumir que se geram avanços tecnológicos quando de facto nada de realmente inovador é criado. Contudo não se pode descurar o poder do marketing dos gigantes informáticos que tinham já meio caminho andado para a construção do sucesso.
2008 foi um ano de viragem crítica. A Nokia não havia produzido nada que pudesse rivalizar com uma falácia de marketing crescente e inevitável. Curiosamente a fábrica de Bochum estava algo longe destes temas pois produzia os modelos que viriam a ser transferidos para a Roménia, ou seja, os de gama baixa. Nessa gama de mercado a Nokia manteve e mesmo reforçou a sua presença no mercado. Contudo, o grande problema estava ao nível do desenvolvimento de software e hardware nas categorias superiores, nomeadamente nos “smartphones” onde rivalizou com a plataforma Windows durante alguns anos e depois não acompanhou o aparecimento do iOS e do Android com a mesma intensidade e ferocidade de marketing com que a Apple e a Google defenderam os seus sistemas.
Tal como na linguagem comunicacional política, gerou-se no mercado a ideia de que aquilo que era pretendido destruir, se encontrava obsoleto. Nos sectores tecnológicos a obsolescência faz-se sentir de uma forma demasiado rápida mesmo sendo, de facto, artificial. Foi sendo plantada na cabeça das pessoas a imagem de obsolescência da marca Nokia e do sistema por ela mantido nos seus equipamentos de gama média e alta. Na realidade, o atraso existente na aposta no formato dos equipamentos serviu para que a manobra de marketing (sobretudo da Apple) resultasse em pleno. A pseudo-novidade iPhone transformou-se num ícone de vendasum pouco por todo o mundo e sobretudo na Europa. Mas em paralelo com esta plataforma fechada, e para um público diferente crescia nas suas margens uma multitude de dispositivos baseados no sistema desenvolvido pela Google, que, a par com a Apple, desenvolveu uma campanha gigantesca que originou mesmo a rendição incondicional de grandes marcas como a Sony Ericsson e a HTC. A ironia do destino é que a Sony Ericsson, que sempre foi considerada como o melhor fabricante de hardware de terminais móveis preterindo a plataforma Symbian, que sempre havia equipado os seus equipamentos profissionais, acabou por entrar no universo android, valendo-lhe o quase desaparecimento do mercado em todos os segmentos. Quanto à HTC, que liderara por anos nos smartphones com a plataforma Windows, viu reduzida a sua quota de mercado global, e no mercado europeu desapareceu dos lugares cimeiros. A conjugação de factores que levou ao triunfo da irracionalidade comercial de uma suposta superioridade de sistemas face aos seus concorrentes foi evidente ao ponto de se haver mesmo gerado um fenómeno comum da identificação da nomenclatura do sistema com o objecto em si. E nessa sentido a estratégia das marcas orientais foi muito orientada para um sucesso que estava desenhado embora não se compreenda numa lógica meramente técnica.
O encerramento da fábrica da Nokia em Bochum, bem como notícias posteriores, deveriam alertar as consciências dos europeus para o facto de andarmos a alimentar um sistema de marketing viral. E é viral porque se alimenta de ideias falsas de obsolescência. Não existe qualquer explicação possível para uma supremacia técnica. Essa supremacia é falsa e mesmo fraudulenta. A procura por uma designação que em nada é familiar ao futuro utilizador é a aplicação de todas as técnicas de marketing bem conhecidas. É simples induzir o pensamento de que algo é melhor que outra coisa qualquer, ainda que seja impossível de facto estabelecer comparação directa. Mas as mentiras comerciais, sobretudo as das grandes corporações, transformam-se em verdades com toda a facilidade. As manobras da Apple e da Google surtiram efeito mesmo quando os utilizadores não compreendam de facto que estão a adquirir gato por lebre, que os artigos representam mero lixo comercial em forma de coisas apresentadas como úteis e eficazes. Muitos dos que na Alemanha protestaram violentamente contra a Nokia por encerrar a sua fábrica, transportavam já nos seus bolsos os pedaços de lixo tecnológico produzidos na China e na Coreia, felizes e contentes com o facto de serem portadores do último grito tecnológico que mais não é que a derradeira falácia comercial de derrubou em grande medida a influencia enorme da nokia no mercado europeu. Curiosamente a marca finlandesa continua a produzir na Europa enquanto as suas maiores rivais, Apple, Samsung e LG, vêm da china e da Coreia respectivamente. A Europa continua a enterrar-se nas incongruências de um capitalismo hipócrita que deriva fundamentalmente da estupidez consumista e da absorção facilitada de mentiras inqualificáveis por parte dos gigantes tecnológicos numa política de servilismo integral ao grande império americano.
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