Fantasmas, chamam-lhes fantasmas, bom, não sei o que são, estão presos nas correntes que me vestem de aço o olhar de cada vez que piso o mármore negro, estão num desassossego tal que me tento desligar deles, tento desligar-me de tudo, tento fazer-me à estrada, entupida de entulhos, são obras que não param, são desgraças vertidas em lençóis de água, são águas rebentadas de crianças prometidas a mães convencidas que as crianças são de se ter, e fingem que a vida é coisa fácil, e comem sonhos esmagados, com sorrisos doces mas amargurados à medida que a ideia se concebe, porque têm frio, porque não sabem que nada é como lhes disseram quando cresciam, a vida é sempre uma coisa diferente do que as conversas de crescer, são dias, são dias que cortam a eito o estreito vínculo entre as margens, são as pontes construídas a mãos de morte, são casas envelhecidas por muitas vidas e outras tantas ausências, sim, uma dor de parir não é coisa pouca, é a dor dos fantasmas enriquecidos como urânio em ponta de míssil, o míssil que aponta aos úteros abertos à vida que não se sabe sequer se se quer. porque as palavras escorrem, as estradas vão ficando desimpedidas e sigo depressa, atrasado para o trabalho diário, ou para o diário do trabalho que há-se ser feito em escala, em nota musical, em tranquilidade, e sigo eu mesmo intranquilo pelo relógio, pelo ruído que sinto nas vozes que ouço sempre que chego ao armário de onde mais fantasmas se soltam e saltam por toda a superfície, está aspirada, está limpa, está na hora de carregar as palavras dos outros, está na hora de fazer de conta que existo no peso de todos os dramas de todas as tramas, de todas as tragédias, de todos os cálculos e de alguns dos pensamentos, não há tempo no tempo da ampulheta manipulada que regista cada atraso como condenação lenta e progressiva à morte, e pode ser súbita, quem sabe, que os fantasmas e os úteros nunca se deram, são formas opostas, não se vêem, não se tocam, não se esgotam, são melodias desencontradas de instrumentos divergentes, são cordas, são guitas, são baraços, são laços de apertar pescoços.
Espera-me o trânsito de regresso sem regresso.
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