quarta-feira, 17 de julho de 2013
no tempo das amoras silvestres
no tempo das amoras e das silvas, os caminhos feitos pedra tosca onde a vida havia parado há anos. os muros, pilhas de vidas, amontoadas como o desprezo que foram tendo por si mesmas. foi um tempo austero de cultivos para passar a fronteira. de pouco valia, tal como o que agora vale, o suor a gotejar na derme seca e encrostada a imitar torrões. de pouco valia a palavra dada em surdina. o grito havia de ser unânime. um só grito de uma só dor. o sol nesses tempos tão severo quanto o gelo. tão lento a fustigar quanto uma tortura dos homens fardados de tinto e doutrina severa. o fogo era coisa de durar pouco. o fogo na palha da carroça de bois. o fogo nas coxas das mulheres esquecidas nas horas de serem gente. qual não. nada era não porque a pedra e o crucifixo violentavam entre as pernas frouxas num palheiro nos fundos do lameiro. o pai via e cantava. o avô via e chorava a memória de outros tempos em que também ele jorrava virilidades. ao dobrar dos sinos a correria em flanela rota e cheiro aos buracos, como se deus os fosse preencher de misericórdia. a escola ao fundo do espaço ensinava as coisas de importância. como se chamavam os rios, as pontes, as serras, os reis. como se chamavam os chefes. e como se soletrava a palavra silêncio, de palmatória. a mercearia dos homens ricos, os únicos homens ricos de uma terra de muitas fomes onde as criadas eram mesmo de servir. e um dia o filho do homem rico a morrer de gás como um judeu condenado foi salvo em correria e gritos. um dia continuou, afinal, o seu crescimento. não o tombou a mistura tóxica que se desfez em despertar abrupto. a criada de servir. amoras silvestres e espinhos na garganta. cresceu e fez-se homem igual a todos os homens e tomou quantos corpos quis. faltava muito para o amanhecer e a água gelada sobre no rosto despertava de um sono e ajudava manter o outro. silêncio. silêncio e amoras silvestres. contavam-se coisas sobre os fetos jogados ao rio. as barrigas que nunca cresciam e os corpos que nunca rasgavam de dentro para fora outros corpos. era sempre inverno, ainda que o sol, tão severo quanto o gelo. era inverno e as pancadas violentas nas portas de madrugada a fazerem eco sobre o mundo. e, no entanto: silêncio. os fetos sobre a água e as algemas a comprimir a magreza. o filho do homem rico não morreu, e mil filhos a flutuarem nas águas tranquilas de um rio. silêncio. as prisões a abarrotarem de subversão e de mulheres vazias. as pobres haviam de parir pobres para servir ricos. a palha amortecia tantos corpos nos palheiros ao fundo dos lameiros e era tempo de silêncio. era tempo de grito unânime. era tempo de amoras silvestres, negras como as sortes de todos os tempos naquele espaço em que alguns sabiam de cor como se chamavam os rios, as pontes, as serras, os reis. como se chamavam os chefes. e como se soletrava a palavra silêncio, de palmatória.
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