quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O Montador de Cavalos de Ferro.

O homem é um pouco rude, faz pela vida. Toma o gosto às boas andanças. Solta um sorriso fácil, levanta a flanela da perna das calças. Remata a mola com o fecho macabro e solta-se a mão fácil a passear-te nas costas. Há um olhar de farsante, um estilo de esgoto e uma voz que não esconde as horas a cantar as cantigas da escola dos artolas. Há a esperteza do Chico, a forma adocicada da fala que enrola. Há o escarro pendente para marcar território. Desvia o olhar, como quem diz "não me fodam" quando aponto o dedo e digo, ali vai, é aquele, o montador de cavalos de ferro...

quarta-feira, 2 de maio de 2012

O que podemos esperar do futuro senão o passado?


Ao assistir ao documentário de Jorge Costa, “Os Donos de Portugal”, recentemente lançado na noite de 23 para 24 de Abril, fiquei com a impressão que a análise que seria ali produzida seria ao mesmo tempo histórica, mas também projectiva.  O país não tem conhecido grande alteração naquilo a que os autores do trabalho transposto para documentário, intitulam de “donos”. Podemos ver que existem umas incursões aqui ou ali por vias menos ortodoxas, mas, fundamentalmente, este país está conhecidamente nas mãos de um punhado de famílias que não tiveram o tratamento devido quando se deu o 25 de Abril, e muito menos depois, quando os governos resolveram covardemente reprivatizar indemnizando principescamente os antigos proprietários.

A conivência, mais do que coexistência, entre poder político e o seu verdadeiro motor que é o poder económico conseguiu surpreender um dia 1º de Maio que se previa pouco agitado mas razoavelmente participado. E surpreendeu pela razão mais estranha que poderia ser imaginada por alguém de bom senso. Este país comemorou as conquistas de Maio fazendo compras. Ou melhor, açambarcando e pilhando oficialmente prateleiras de uma superfície comercial que resolveu boicotar não só os direitos dos seus próprios trabalhadores como convocar uma maioria silenciosa para um plano de poupança que abarcava todos aqueles que tivessem dinheiro suficiente para fazer compras de vários meses, dando-lhes a possibilidade de o fazerem por metade do seu valor comercial. O plano resultou num êxito estrondoso e as atenções foram desviadas das manifestações normais deste dia comemorativo do dia do trabalhador, para a comemoração planeada do dia do consumidor.

Aparentemente a importância deste acontecimento parece ser diminuta. Uma questão de mera fiscalização resolve as eventuais dúvidas que possam surgir. Contudo não se fiscalizam processos de intenções e manipulação deliberada de necessidades de consumo.

Já li relatos hoje que alegavam que os funcionários da superfície que causou toda esta celeuma estavam a trabalhar tranquilos e mesmo sorridentes. O que eu acredito. Uma vez, há poucas semanas, aqui bem perto vi um responsável a desancar numa funcionária que cumpria as suas tarefas, mas que não correspondia exactamente ao que estava na mente retorcida do responsável que, elaboração minha, deve imaginar o que anda por baio das saias e não come há muito tempo. A moça estava ao nível mais baixo das prateleiras do linear e o chefe estava em pé de dedo em riste e de voz firme. Para os clientes nunca vi nada que não fosse um sorriso. Toda a gente sabe que as gentes do norte sorriem, são bem-dispostas por natureza e comunicativas mesmo quando são instigadas a sorrir familiarmente para os clientes normais. Não falo das bestas acéfalas que correm à cenoura dos cinquenta por cento, sendo que nestes não incluo aqueles que contam o vencimento até ao último cêntimo e que viram nesta oportunidade uma forma de pouparem alguns euros, mesmo sabendo que comprariam coisas que necessitariam e outras que nem por isso.
O que eu acho que deveria ter sido feito, até porque acredito que o poder político, tal como digo acima, estava conhecedor e conivente com esta acção que transformou trabalhadores em perdigueiros de saldos, seria uma sondagem, não à boca da urna, mas à boca do supermercado para aferir, no acto da compra, em quem estariam os portugueses a pensar votar para as próximas eleições. Não ando longe de uma quase certa verdade se disser que a esmagadora maioria dos consumidores intensivos do insólito 1º de Maio, teria como intenção de voto os partidos de Coelho e de Portas.

Lembro-me de uma vez, enquanto criança ainda (há pouco tempo, portanto) visitar o santuário de Fátima. Não por devoção que sou ateu, mas porque acompanhava familiares que entre as drogas e a religião distorcida que sempre praticaram, preferiram a religião. Uma das coisas que me chamou a atenção naquela visita foi a forma como as pessoas cumpriam promessas queimando velas que eram compradas, derretidas e depois novamente ressuscitadas para o mundo da promessa de outro qualquer. Foi a minha primeira lição de capitalismo. Mantive-me ateu como era desde os seis anos de idade, desde aa primeira vez que pisei uma igreja após o baptismo ao qual não podia fugir por dele não possuir consciência. E começaram as minhas raízes profundamente anticapitalistas. Ainda hoje chamo ao santuário o supermercado de Fátima.
Esta estória vem a propósito da fé. O capitalismo é um sistema de fé. Temos a fé que um dia estaremos naquele um porcento que vislumbra o que é ser milionário e podemos olhar de cima para baixo os falhados, os mal sucedidos e preguiçosos da vida. O nosso sucesso ou o nosso extremo fracasso começa precisamente no mesmo acto. Quando decidimos que aqueles 50% são realmente importantes para nós. Mais importantes que perceber porque raio se comemora, no dia em que nos querem enfiar a cabeça nas prateleiras lineares a chafurdar no jogo das supostas necessidades, aquilo a que chamam dia do “trabalhador”.

Todos sabemos que o imperialismo financeiro a que se elevou o capitalismo há muito transformou ou travestiu os trabalhadores de colaboradores. Um termo tenebroso que me lembra os bufos do fascismo. Mas são colaboradores e não existe um dia do colaborador. E se os trabalhadores lutaram por condições de trabalho humanas, os colaboradores estão submetidos à doutrina mediática de que o sacrifício funciona como a vela de Fátima. Se não fizer a promessa e arder a vela,  nunca ela surgirá de novo para que possa ser readquirida e fruto de nova promessa. E é essa reflexão que me leva ao entendimento de que a resposta à sondagem à boca do supermercado seria definitivamente aproximada da composição política actual. A mesma abstenção. O mesmo nulo. As mesmas intenções de votos expressos porque não há alternativa. Este governo é também ele mesmo um desconto de cinquenta porcento, não no seu valor nominativo em termos de custo, mas no seu valor quantitativo em termos de eficácia e qualidade de produção de soluções e alternativas. Temos aquilo que era esperado desta gente. Só pensa o contrário quem não está nas realidades da vida. Quem já faleceu, ou quem come à mesa com eles.

O que se prova com o dia de ontem é que o sistema político, ainda que muito rudimentar, evoluiu muito mais depressa que o seu povo que apenas sabe funcionar debaixo do chapéu-de-chuva de regimes autoritários. A maior parte dos eleitores, não dos abstencionistas, mas daqueles que efectivamente escolhem votar num partido, está perfeitamente convicto e tem o desejo mais íntimo de não escolher coisa nenhuma. E fica em casa à espera dos resultados e vibra com victórias que nunca são as suas próprias. Prova-se que o português, como todos os outros povos ocidentais, não está preparado para tomar poder em suas mãos. Para assumir uma ideologia, para intervir na sociedade, pensando, criando agindo. Não há estrutura moral para uma construção social baseada na moral, porque esta é um conceito subvertido, mutilado. O serviço da pátria é tão estranho que não tem qualquer sentido. Embora a maioria seja patriota. Portugal é um grande país. Pena estar repleto de portugueses. E pena que estes tenham já abdicado de o ser em nome de prisões de dívidas que ninguém questiona. Os mesmos mercados que decidem estas promoções megalómanas, são os que colocam a nossa própria cabeça enquanto país num saldo de mais de cinquenta porcento. Empresas privadas, com interesses privados juram a pés juntos que somos péssimos pagadores de dinheiros que vieram para satisfazer a gula predatória dos bancos. Habitação, automóvel, consumo, férias, estudos. Tudo crédito sobre crédito que se haverá de pagar um dia, quando se estiver morto. Para o português quando mais tarde se pagar, melhor. para pagar e morrer quanto mais tarde melhor a não ser que esteja em promoção, em saldo liquidação total, e sobretudo se estiver no dia de um trabalhador que já não existe. Da próxima vez que trabalharmos 16 horas já será como colaboradores, aqueles que são símbolo de sucesso e que exibem meses depois, triunfantes, os 5000 rolos de papel higiénico que compraram neste dia de promoção, e onde será escrita a próxima revisão constitucional.


quarta-feira, 18 de abril de 2012

Do radicalismo anticapitalista ao capitalismo sistemático esquizoide


Daquilo a que o velho Cunhal chamava de Radicalismo Pequeno burguês de fachada Socialista rezam cada vez mais histórias e cada uma com cada vez mais estranhas voltas a dar. Se depois do 25 de Abril em terras lusas proliferaram ideologias em quase tudo semelhantes, excepto no facto de serem processadas por indivíduos diferentes, nos nossos dias o culto obcecado pelo indivíduo levou a que cada um faça a sua própria ideologia montada e alicerçada no culto da anti-ideologia, um jogo pragmático de poderes que se entrelaçam na bonomia do ser humano e na sua capacidade de decidir fora de contexto organizacional. Não tenho dúvidas que ao ser que se diz humano sobram capacidades de decisão e de gestão do seu próprio destino, mas faltam capacidades de gerir conflitos e consensos porque as verdades do fundamentalismo dos “ismos” impera hoje mais do que imperava há trinta e muitos anos atrás.
Fico assim paralisado perante os meus esforços de entender o que pretendem aqueles que, às onze da manhã vociferam contra o sistema capitalista que se desagrega e que deve ser destruído seja por que meio for, culpado de todos os males do mundo e conspiração extrema e absoluta de uma elite minoritária que governa quase que de forma global o mundo. E confesso que, correndo o risco de me chamarem nomes ainda ais feios do que é habitual, compartilho desta visão, que o capitalismo é, efectivamente, a origem de todo o mal social, com base no financeiro e no político da sociedade actual. Por outro lado, depois do almoço, os mesmos radicais, rejubilam com a tomada democrática da via islandesa e dão como exemplo a seguir por todo o mundo amordaçado e asfixiado pelas crises das dívidas soberanas. Também sou tentado a concordar que a via seguida pela Islândia é um exemplo de como se pode começar por uma ponta do sistema a derrubá-lo. Contudo, não é isso que se coloca em questão. A Islândia é vista como o tal “oásis”, como o exemplo a seguir como solução final rumo a um crescimento e a uma regeneração do próprio capitalismo.

É estranho adormecermos freneticamente anticapitalistas, a acordarmos angelicamente regeneradores do próprio sistema que juramos querer abater por ser o causador de todos os males. Pelo que, a análise que se coloca como emergente é percebermos até que ponto podemos ser coerentes até ao final. Porque é muito fácil acusar partidos políticos integrados nos sistemas dos países (Islândia incluída) de todas as práticas malévolas, e depois encontrar como solução a regulação cidadã dos partidos que seguem sendo a base do sistema que suporta e rege o país que a determinadas horas do dia nos serve de exemplo máximo de democracia. O que devemos levar mais a sério? As pedras lançadas contra a globalização e contra o sistema capitalista sem que seja apresentada alternativa concreta e exequível, ou o júbilo literário e filosófico pela mestria democrata de um povo que se libertou de alguns dos pulhas que o tramaram? O que sucede é que na prática a Islândia continua com o mesmo sistema que criou esses mesmos pulhas, com o mesmo conceito de propriedade e com as mesmas relações de produção, ainda que, sendo o país com um dos maiores índices de produtividade e rendimento per capita.

Eu confesso que vejo as duas vias com igual simpatia, até porque há que haver um espírito pragmático nestes dias e o capitalismo não terá atingido ainda a sua fase derradeira. Considero a posição da Islândia como um exemplo aos países do sul que se colocaram subservientes à obliteração de que estão a sofrer pelo aumento colossal das suas dívidas através dos planos que são supostos constituírem ajuda. Mas eu tenho a visão formatada de um comunista e não a visão libertária de moral impoluta e intocável.

Penso que uma coisa em nada impede a outra. Ou seja, o facto de estarmos neste momento a resolver alguns remendos dentro do sistema que alguns radicais tanto repudiam da parte da manhã, não impede que haja uma intenção forme de derrubar o sistema capitalista por dentro ou por fora, superando-o através de fórmulas conhecidas e de outras mais ou menos criativas que foram surgindo com a dinâmica da própria História. E penso que não devemos ter como fim último a regeneração de um sistema que ora se considera falido, ora se vê como regenerável num carrossel esquizofrénico difícil de entender e que leva as pessoas a desacreditarem cada vez mais, não só dos políticos, mas sobretudo dos detratores dos políticos que dissertam e elaboram fora de qualquer plano coerente.

Sabemos que a democracia representativa e partidária é violentamente criticada. A Islândia é uma democracia deste tipo, ainda que tenham havido alterações profundas impostas por cidadãos que transformaram a face da ética social, nos negócios e na própria política. Mas isso quer dizer então que os nossos radicais esquerdistas defendem finalmente que, afinal o que querem é mesmo uma continuidade do sistema capitalista em toda a sua essência e afirmar que este é reformável? Sendo o exemplo islandês notável em termos de organização e empenho social que envergonha os povos do sul da Europa no seu constante agachamento perante exactamente o mesmo tipo de problemas, não pode ser desmobilizador nos propósitos de superação do próprio sistema e não ter como fim último a sua regeneração e moralização. Algo me escapa quando existem dois discursos tão radicalmente diferentes, na defesa ou no ataque de um mesmo sistema, que nunca deixa de o ser apenas porque foi temporariamente expurgado de alguns dos seus cancros.

Uma curiosidade, para os detratores de todo o tipo de sistemas representativos , é o facto de, terem sido as eleições legislativas de 2009 na Islândia, com a sua elevadíssima participação e com a viragem a uma aliança entre social-democratas (O PS lá do sítio mas em versão a sério) e o Movimento Verde de Esquerda (uma espécie de CDU versão light) a conduzirem a algumas medidas que nos trouxeram ao estado actual em que o país se encontra, e que é, depois da hora do almoço, valentemente defendido pelos mesmos radicais anticapitalistas de antes da hora do almoço. E, convenhamos que os números falam por si. Números que explicam a divisão entre o radicalismo anticapitalista e o capitalismo sistemático, transformando-a num compreensível comportamento esquizoide.


segunda-feira, 16 de abril de 2012

Do Anarco-Calimerismo

Porque todas as instituições conspiram contra a existência. Porque todas, sem excepção, estão para além da existência do indivíduo e do conceito que ele tem de si mesmo, são um perigo constante à sua liberdade de existir enquanto ser individual que tem de se opor de forma determinada. Só é possível imaginar a organização entre seres desorganizados e desalinhados de tudo e de todos. O cartão partidário equivale à morte cerebral, à paralisia social. Ter uma solução é um alinhamento perigoso, uma formatação que tem de ter necessariamente origens secretas, inscritas em interesses duvidosos. Ainda que o portador do cartão seja um “zé” anónimo, é seguramente um perigoso mutilador de toda e qualquer liberdade de ser e de existir. Em assembleia deve ser condenado, não ao fogo dos infernos que esse existe ou não, mas ao fogo de Auschwitz que não matou judeus suficientes e estes continuam a foder-nos a existência com protocolos, maçonarias e outras porcarias sionistas fascistas.

Ninguém defende a liberdade como o libertário, que na américa quer dizer precisamente o fulano que defende a total liberdade, sem Estado a controlar ou a programar seja o que for. Por isso os libertários americanos se opõem a tudo o que seja protecção social porque entendem que o Estado não pode decidir onde, de que forma e por quem irá um doente ser tratado. Cabe a este decidir, ainda que moribundo, em que mãos vai querer morrer porque a sua liberdade que desde sempre colidiu com a sociedade como um todo, não permitiu que se criasse um sistema, uma estrutura que formasse o bem comum em paralelo com o bem do indivíduo enquanto tal, que os dois se complementassem numa só forma de estruturar a sociedade. Mas a estrutura é sistema e o sistema é mutilação mental, tortura psicológica, manipulação e outras tretas que tais. Os libertários americanos são portadores da derradeira forma de pensamento de Milton Friedman. Friedman era, afinal, um radical anarquista. Porque o indivíduo tem de ser livre de construir ou de destruir, de escolher, de consumir, de viver ou morrer. Que se foda a sociedade ou o Estado. Desde que eu possa falar e gritar numa assembleia e dizer tudo o que vai na alma, descarregar numa espécie de terapia de grupo em que não existe grupo, porque grupo é organização e organização é tomar partido e partido é crime de lesa pensamento. Tomar partido é debitar excremento.

Qualquer forma de organização é totalitária, excepto aquela que incluir o “eu” como centro de acção popular sem povo, porque povo é conceito. Classe é conceito e o “eu” não tem classe. Isso são coisas de marxistas, comunistas, totalitaristas quando o único “total” que pode existir é o indivíduo indignado até com a sua própria existência. Porque lhe dói, porque se contorce, porque o ignoram, porque berra, porque quer falar e teima em querer falar em se aperceber que nunca se calou sequer por um segundo, e argumenta desargumentando ad nauseum. Porque toda a forma de poder é má excepto quando o poder puder ser exercido em parte pelo “eu” que tem voz, não igual, mas superlativa. O “eu” que fala moralmente mais alto porque vale mais que mil “eus” manietados pelos cartões dos partidos, pelos coletes dos sindicatos. Esses são os pulhas que tiram a voz ao “eu” indivíduo Calimero que caga na sociedade para que o “eu” intervenha sem soluções que não as de protestar incessantemente contra tudo e todos até que doa a voz. Ainda que essa voz se junte á do inimigo declarado que, afinal é o mais devoto aliado.




domingo, 1 de abril de 2012

Sindicalismo actual

Uma das principais questões ligadas ao Direito do Trabalho que está na calha para ser mutilada ou mesmo suprimida, é a importância ou a existência da figura do IRCT (Instrumento de Regulamentação Colectiva de Trabalho), mais conhecido como Contrato Colectivo de Trabalho.

 Por ter uma importância vital na relação entre empregadores e trabalhadores, tornando menos díspar a relação de força entre estas duas entidades como colectivo - as negociações são desenvolvidas entre associações patronais e sindicatos - tem vindo a ser alvo de vários tipos de ataques sendo que infelizmente, nem todos vêm do lado do patronato e do governo.

 A negociação dos CCT ou IRCT's é feita pelas entidades, ultrapassando o âmbito da legislação laboral vigente e propondo uma adaptação a cada sector, normalmente sendo alcançadas condições mais favoráveis em sede de negociação. São estabelecidas e aplicadas tabelas salariais sectoriais, que a maioria esmagadora dos trabalhadores actualmente desconhece. A razão pela qual desconhece é apenas o facto de estarem os sindicatos permanentemente sob a propaganda anti-sindicalista vinda de todos os lados, incluindo de alguns que ideologicamente se arrogam como representantes dos trabalhadores, desconhecendo que o papel dos sindicatos está para além dos piquetes de greve e pode influenciar de forma significativa a vida de muitas centenas de milhar de trabalhadores que se encontram ao abrigo da contratação colectiva que o governo pretende de forma oportunista transportar para a esfera do CIT (Contrato Individual de Trabalho) que senta à mesma mesa directamente trabalhador e empregador, cuja relação jurídica passa a ser profundamente desnivelada e torna aceitável qualquer condição em nome da garantia de um posto de trabalho.

O abandono dos IRCT e a passagem ao domínio individual da contratação, deixando de existir a negociação que conduz a enquadramentos como a gestão de carreiras os as tabelas salariais, dita que a entidade patronal possa desvincular-se de toda e qualquer obrigação para lá do estabelecido em sede de Código do Trabalho que, como sabemos, está a sofrer profundas alterações aberrantes neste momento. Contudo isso parece preocupar muito pouca gente. O violento ataque desferido contra os dirigentes sindicais - ainda que admitindo situações provocadas por declarações pouco inteligentes e felizes - ajuda a provocar uma desmobilização ainda maior da única central sindical que representa os interesses dos trabalhadores e abre mais espaço ainda à aplicação dos CIT, alegando que os sindicatos já não representam uma parte significativa da massa assalariada. Também conhecido como tiro no pé, que muita retórica de esquerda transforma a cada dia em mais sacrifícios daqueles a quem jura a pés juntos defender.

Não há organizações perfeitas, mas existem formas de agir e de intervir que devem implicar um esforço de unidade, de diálogo entre iguais com vista à obtenção temporária de um objectivo concreto e que pode e deve ser tido nos espaços criados para tal. Os sindicatos nem têm de ser filiados nas central sindical (apenas temos uma), podem ser independentes. Claro que, juntos, têm maior poder negocial.

Claro que existem falhas, lacunas, formas de intervenção que podem e devem ser melhoradas e alteradas no sentido da defesa de classe mais do que na defesa de sector, sejam os elementos de classe trabalhadores públicos ou privados, efectivos ou precários (à custa da desmobilização sindical os efectivos estão a transformar-se em precários com as novas leis laborais), empregados ou desempregados. Os sindicatos devem responder a questões de classe e actuar onde não o fazem actualmente. E sem a força da mobilização de classe jamais o voltarão a fazer. E a desmobilização é promovida por todos aqueles que olham para os sindicatos de forma meramente orgânica e que esquecem o que está por trás e toda uma intervenção que poderia ser tomada caso a central sindical dos trabalhadores portugueses passasse a ter uma representatividade que permitisse paralisar efectivamente o país. Com todos, sindicalizados ou não, mas mobilizados. Pelas estruturas formais ou pelos movimentos mais ou menos informais, mas sempre integrantes da mesma luta num rumo comum.

sexta-feira, 23 de março de 2012