quarta-feira, 18 de abril de 2012

Do radicalismo anticapitalista ao capitalismo sistemático esquizoide


Daquilo a que o velho Cunhal chamava de Radicalismo Pequeno burguês de fachada Socialista rezam cada vez mais histórias e cada uma com cada vez mais estranhas voltas a dar. Se depois do 25 de Abril em terras lusas proliferaram ideologias em quase tudo semelhantes, excepto no facto de serem processadas por indivíduos diferentes, nos nossos dias o culto obcecado pelo indivíduo levou a que cada um faça a sua própria ideologia montada e alicerçada no culto da anti-ideologia, um jogo pragmático de poderes que se entrelaçam na bonomia do ser humano e na sua capacidade de decidir fora de contexto organizacional. Não tenho dúvidas que ao ser que se diz humano sobram capacidades de decisão e de gestão do seu próprio destino, mas faltam capacidades de gerir conflitos e consensos porque as verdades do fundamentalismo dos “ismos” impera hoje mais do que imperava há trinta e muitos anos atrás.
Fico assim paralisado perante os meus esforços de entender o que pretendem aqueles que, às onze da manhã vociferam contra o sistema capitalista que se desagrega e que deve ser destruído seja por que meio for, culpado de todos os males do mundo e conspiração extrema e absoluta de uma elite minoritária que governa quase que de forma global o mundo. E confesso que, correndo o risco de me chamarem nomes ainda ais feios do que é habitual, compartilho desta visão, que o capitalismo é, efectivamente, a origem de todo o mal social, com base no financeiro e no político da sociedade actual. Por outro lado, depois do almoço, os mesmos radicais, rejubilam com a tomada democrática da via islandesa e dão como exemplo a seguir por todo o mundo amordaçado e asfixiado pelas crises das dívidas soberanas. Também sou tentado a concordar que a via seguida pela Islândia é um exemplo de como se pode começar por uma ponta do sistema a derrubá-lo. Contudo, não é isso que se coloca em questão. A Islândia é vista como o tal “oásis”, como o exemplo a seguir como solução final rumo a um crescimento e a uma regeneração do próprio capitalismo.

É estranho adormecermos freneticamente anticapitalistas, a acordarmos angelicamente regeneradores do próprio sistema que juramos querer abater por ser o causador de todos os males. Pelo que, a análise que se coloca como emergente é percebermos até que ponto podemos ser coerentes até ao final. Porque é muito fácil acusar partidos políticos integrados nos sistemas dos países (Islândia incluída) de todas as práticas malévolas, e depois encontrar como solução a regulação cidadã dos partidos que seguem sendo a base do sistema que suporta e rege o país que a determinadas horas do dia nos serve de exemplo máximo de democracia. O que devemos levar mais a sério? As pedras lançadas contra a globalização e contra o sistema capitalista sem que seja apresentada alternativa concreta e exequível, ou o júbilo literário e filosófico pela mestria democrata de um povo que se libertou de alguns dos pulhas que o tramaram? O que sucede é que na prática a Islândia continua com o mesmo sistema que criou esses mesmos pulhas, com o mesmo conceito de propriedade e com as mesmas relações de produção, ainda que, sendo o país com um dos maiores índices de produtividade e rendimento per capita.

Eu confesso que vejo as duas vias com igual simpatia, até porque há que haver um espírito pragmático nestes dias e o capitalismo não terá atingido ainda a sua fase derradeira. Considero a posição da Islândia como um exemplo aos países do sul que se colocaram subservientes à obliteração de que estão a sofrer pelo aumento colossal das suas dívidas através dos planos que são supostos constituírem ajuda. Mas eu tenho a visão formatada de um comunista e não a visão libertária de moral impoluta e intocável.

Penso que uma coisa em nada impede a outra. Ou seja, o facto de estarmos neste momento a resolver alguns remendos dentro do sistema que alguns radicais tanto repudiam da parte da manhã, não impede que haja uma intenção forme de derrubar o sistema capitalista por dentro ou por fora, superando-o através de fórmulas conhecidas e de outras mais ou menos criativas que foram surgindo com a dinâmica da própria História. E penso que não devemos ter como fim último a regeneração de um sistema que ora se considera falido, ora se vê como regenerável num carrossel esquizofrénico difícil de entender e que leva as pessoas a desacreditarem cada vez mais, não só dos políticos, mas sobretudo dos detratores dos políticos que dissertam e elaboram fora de qualquer plano coerente.

Sabemos que a democracia representativa e partidária é violentamente criticada. A Islândia é uma democracia deste tipo, ainda que tenham havido alterações profundas impostas por cidadãos que transformaram a face da ética social, nos negócios e na própria política. Mas isso quer dizer então que os nossos radicais esquerdistas defendem finalmente que, afinal o que querem é mesmo uma continuidade do sistema capitalista em toda a sua essência e afirmar que este é reformável? Sendo o exemplo islandês notável em termos de organização e empenho social que envergonha os povos do sul da Europa no seu constante agachamento perante exactamente o mesmo tipo de problemas, não pode ser desmobilizador nos propósitos de superação do próprio sistema e não ter como fim último a sua regeneração e moralização. Algo me escapa quando existem dois discursos tão radicalmente diferentes, na defesa ou no ataque de um mesmo sistema, que nunca deixa de o ser apenas porque foi temporariamente expurgado de alguns dos seus cancros.

Uma curiosidade, para os detratores de todo o tipo de sistemas representativos , é o facto de, terem sido as eleições legislativas de 2009 na Islândia, com a sua elevadíssima participação e com a viragem a uma aliança entre social-democratas (O PS lá do sítio mas em versão a sério) e o Movimento Verde de Esquerda (uma espécie de CDU versão light) a conduzirem a algumas medidas que nos trouxeram ao estado actual em que o país se encontra, e que é, depois da hora do almoço, valentemente defendido pelos mesmos radicais anticapitalistas de antes da hora do almoço. E, convenhamos que os números falam por si. Números que explicam a divisão entre o radicalismo anticapitalista e o capitalismo sistemático, transformando-a num compreensível comportamento esquizoide.


Sem comentários: