domingo, 11 de novembro de 2007

O paciente consumidor

A carteira é a arma mais poderosa nos dias que correm. O consumidor, rodeado de artigos ávidos de serem consumidos e potenciado por todas as possibilidades de créditos para tudo o que a sua imaginação possa alcançar, torna-se num paciente não auto-realizado de uma patologia que pode tornar-se crónica. A economia liberal, a economia vitoriosa no século XXI, é a economia do consumo e da necessidade obsessiva de consumir. O sistema liberal obriga-se a eliminar a palavra necessidade no sentido real do termo transformando-a e adoptando-a de tal forma que torne o supérfluo, indispensável.

O consumismo, sendo uma exigência básica do sistema económico liberal, transforma-se numa patologia ela própria necessária. Ou seja, existe uma necessidade que não sejam consideradas apenas as "necessidades" das pessoas para que a economia liberal funcione como deve funcionar.

O consumo em economia liberal exige um direito de consumidor e exige também uma normalização de relações entre consumidores e entidades fornecedoras e fabricantes. À medida em que o sistema liberal avança diminui o número de intervenientes mas aumenta exponencialmente o poder de cada um dos lados. O primeiro porque começa a assentar num conjunto limitado de corporações que arrasam a pequena iniciativa empresarial. O segundo porque no seu estado de consumidor patológico não consegue distinguir conceitos como "necessidade" ou "direitos" ou mesmo "deveres". Dos dois lados, o respeito afoga-se numa arrogância comercial que torna os intervenientes em dependentes de relações efémeras baseadas em guerras de cêntimos.

O consumidor, aparentemente mais exigente e mais informado, aparece mais exigente de facto mas, regra geral mais desconfiado e com uma postura mais arrogante e egocêntrica. A economia liberal coloca o indivíduo e a sua carteira no centro de todo o poder, enquanto que, do outro lado as corporações crescem e se reproduzem. Desaparece o comércio especializado e o conceito de comercial técnico.

A concorrência, apresentada como a grande virtude do liberalismo, limitada a meia dúzia de corporações, tem-se vindo a tornar num factor impulsionador do desemprego e do emprego precário. De uma mão de obra desqualificada e demasiado jovem. Tem também instituído o pagamento miserável dessa mesma mão de obra como factor regulador das quebras de lucro com a diminuição das margens de comercialização. Com menos capital disponível a economia liberal torna-se assim num recreio para as minorias e num pântano de créditos mal parados para aqueles que não resistem aos estímulos de consumo. Os que não conseguem libertar-se da patologia consumista.

A concorrência é um mito do liberalismo que nos dá a impressão de termos mais e melhores produtos quando na realidade podem até ser mais mas saem com centenas de marcas dos grandes grupos que detêm os capitais e os seus direitos. E o consumidor empossado de um estatuto que o coloca como ponto central na importância da economia, torna-se também num portador inconsciente de uma nova forma de desumanidade.

Em suma, o liberalismo é ele mesmo desumano. Contudo não me parece possível antever uma alteração, uma evolução social positiva nas próximas décadas. Penso que o ideal, enquanto a esquerda não encontra soluções de diálogo para ultrapassar os seus fantasmas do passado libertando-se da sua pose pseudo-intelectual dos mil dogmatismos dentro de tantas outras sub-ideologias, será transformar o consumidor, não politicamente, mas antes no divã da psicoterapia.

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