terça-feira, 23 de setembro de 2008

Regras básicas para uma saúde financeira ou como escapar ao determinismo capitalista (I)

O capitalismo é por si mesmo dependente do mercado e este é ganancioso e anseia pela liberdade total e por todas as formas de se libertar de qualquer regulamentação. O determinismo capitalista dita que todos sejamos consumidores num mercado global carregado de super-produção de artigos desnecessários. Existem formas simples de escaparmos a esse determinismo sem termos de viver à margem da sociedade mas também sem termos de ser involuntariamente consumidores. A escolha é nossa a todo o tempo em que temos a consciência do que acontece à nossa volta.

Se todos somos compradores obrigatoriamente é falsa a ideia de que tenhamos de ser consumidores. A publicidade e o marketing são ferramentas ao serviço da sociedade de consumo para nos trazer a informação sobre os produtos e serviços disponíveis. Mais do que isso fazem-nos crer em algo mais que os produtos e serviços em si elevando-os à categoria de promotores de “status”. Uma das ideias a ter em consideração para nossa defesa é que não necessitamos de “status” para rigorosamente nada e que o dinheiro é um bem precioso e cada vez mais caro que deve ser tido como um bem material importante para um percurso de vida estável e seguro. O capitalismo e o mercado não asseguram trabalho como direito, pelo que não asseguram o seu próprio ciclo de sobrevivência através da manutenção do consumo igual em todas as camadas populacionais. E como podemos constatar através dos mais recentes acontecimentos reveladores da crise sistémica do sistema capitalista à escala global não existe uma preocupação com essas mesmas camadas. O sistema apressa-se a proteger as instituições financeiras vítimas de todo o tipo de má conduta e acção especulativa criminosa mas não protege os verdadeiros prejudicados com estes jogos perigosos, aqueles que se vêem impedidos de pagar os seus empréstimos porque se vêem sem dinheiro e com os seus bens imóveis altamente desvalorizados.

Um dos factores a ter em conta para não sermos engolidos por esta orgia de necessidades falsas e de créditos que nos teimam em querer enfiar pela goela a toda a hora é nunca deixar ultrapassar a importante fasquia dos cinquenta por cento. Nunca devemos sequer considerar obter créditos que correspondam a mais de metade do vencimento ou dos rendimentos mensais. O sistema faz crer que os créditos são fáceis mas existem factores que os podem tornar difíceis depois de contraídos ou mesmo impossíveis. A possibilidade do desemprego ou de problemas de saúde que possam impedir o cumprimentos de créditos com esforços demasiado elevados é um factor sempre a ter em conta. Pode mesmo salvar famílias de situações dramáticas no futuro.

Lembre-se que a internet é hoje um veículo inesgotável de informação. Uma família de camadas baixas e médias baixas da população não podem dar-se ao luxo de gastos com produtos culturais e de entretenimento. Por muito que as teorias consumistas liberais incentivem a estes gastos a realidade desmente a compatibilidade de uma boa saúde financeira das famílias e de gastos supérfluos com este tipo de produtos. Quer isto dizer que as camadas mais baixas não têm direito à cultura e à educação? É precisamente isso que é pretendido pelo sistema. Uma família de camadas mais baixas não pode dar-se ao luxo de adquirir literatura, música, filmes ou outro tipo de arte uma vez que ao rendimento familiar já falta para bens aparentemente mais essenciais. A internet é assim o veículo que, tendo sido criado para um fim radicalmente diferente, consegue trazer até nós todas as formas de conhecimento e cultura por um preço relativamente baixo. A obtenção de bens culturais por meio informático é mais barata e pode representar mesmo uma redução significativa de gastos com este tipo de produtos. Mais ainda se recorrermos à partilha de ficheiros, fundamental para a partilha do conhecimento e para a democratização dos produtos culturais. Os artistas não perdem por essa via, antes pelo contrário. O seu nível de conhecimento e reconhecimento públicos aumentam exponencialmente e a crescente independência dos criadores perante as políticas editoriais dos grandes grupos editores é um factor positivo na democratização da criação artística.

O cartão de crédito é uma ferramenta mas pode também ser uma corda no pescoço dos mais incautos. Deve sempre ser usado na sua função de retardador de pagamento e nunca na função específica de crédito. Reúna tantos quantos lhe sejam oferecidos mas todos a cem por cento de pagamento. Utilize-os sempre que seja permitido mas sempre tendo em conta o dinheiro que representa cada uma das transacções. Porque é o cartão de crédito positivo? Os bancos fazem tudo para acelerar as entradas de capital e para retardar as saídas. Novas regras obrigaram a que as transferências interbancárias fossem mais rápidas que as 72 horas que demoravam em média há cerca de dois anos. O dinheiro em caixa é importante para os bancos. Veja por exemplo o que se passa com a presente crise dos mercados financeiros americanos. Muitas instituições tanto de investimentos como mesmo de depósitos não têm dinheiro para pagar a todos os seus clientes caso resolvam resgatar o que lhes pertence. Muitos clientes não têm eles mesmos dinheiro para pagar as dívidas excessivas contraídas e os seus bens não valem o suficiente para sequer cobrir as hipotecas. Repare que, se tem um crédito à habitação, a maior parcela de dinheiro pago à sua instituição de crédito vai para juros durate bem mais de metade da duração do crédito. A parcela para amortização de capital é mínima. Se tiver um problema grave no décimo ano do seu crédito verá que o capital em dívida será praticamente igual ao que devia no primeiro dia. Assim, o cartão de crédito pode facultar pagamentos adiados desde que sempre usado conscientemente e nunca representando mais do que dez a vinte por cento do rendimento médio mensal.

A poupança é o grande tabu do capitalismo. Qualquer sistema capitalista necessita de um consumo elevado. No entanto esse consumo tem vindo a tornar-se contraditório uma vez que a ganância tem obrigado a deslocalizações de grandes indústrias para países onde a mão-de-obra é bastante mais barata. Se por um lado isso gera maiores lucros por outro é nesses países que se reflectem os números dessa produção tendo depois a respectiva correspondência nas balanças comerciais. Mesmo com esta contradição, apenas mais uma entre muitas, é na poupança e no esforço para que seja possível reter uma parcela mesmo que pequena do rendimento mensal e aplicá-la em produtos simples e directos como depósitos de curto prazo normalmente oferecidos como produtos exclusivos de subscrição on-line em muitos dos bancos. Uma das formas de conseguir poupança é fazer muitas vezes as mesmas contas e nunca sair à rua sem “listas de compras” que impeçam de olhar para o lado para produtos que não pertencem à real necessidade. A necessidade gera compradores. O impulso e a irracionalidade geram consumidores. Não é por acaso que não existem associações de compradores mas sim de consumidores. E já agora, a talhe de foice, as associações de consumidores que por vezes se levantam como estão agora a querer fazê-lo com a questão dos combustíveis são as mesmas que impedem o estado de regulamentar as relações comerciais e os preços no dia-a-dia. Ora, se confiam no mercado e depois se revoltam contra a sua arbitrariedade parece que temos mais uma situação como aquela que ditou as recentes “nacionalizações” das dívidas das principais instituições de crédito americanas.

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