terça-feira, 16 de dezembro de 2008

As organizações SÃO as PESSOAS!

Há uns dias fui confrontado com uma frase que me levou alguns dias para digerir. Proferida pelo Professor Doutor Manuel Pinto Teixeira, referia-se à incapacidade de trabalho em geral dos portugueses. A incapacidade de trabalho gerada numa cultura de irresponsabilidade e de uma certa tendência de desenrasque geral.

Sou levado a concordar com parte do conteúdo ou com a ideia geral de que temos na nossa identidade nacional o factor que contribui para que tudo se faça de forma atabalhoada. Que se contornem as regras, que se violem os princípios do funcionamento esperados das regras e das convenções. Somos realmente assim?

O exemplo dado na mesma sessão não poderia ter sido melhor escolhido. O caso da TSF. Acontece que sou um ouvinte desde que me lembro de ter consciência do mundo e das coisas que nos rodeiam dessa rádio. O que me atraiu nesse projecto foi justamente a excelente qualidade dos seus profissionais que se revelou na programação de excelência que esta emissora tinha há uns anitos atrás. Não quero com isto dizer que tenha deixado de ter na totalidade, mas a qualidade baixou muitos pontos com o novo sistema mercantilista das notícias. E o exemplo concreto foi o do cronista Fernando Alves que me lembro desde sempre nas suas famosas inspirações únicas reveladas pela manhã, dos “sinais” de um mundo visto pelos olhos devoradores do comportamento humano, criados em iluminados momentos de inspiração e ditados ao microfone da rádio com uma das últimas vozes verdadeiramente radiofónicas na rádio portuguesa.

Fernando Alves foi-nos assim apresentado como um incorrigível incumpridor de regras, como um homem intolerável em determinados momentos e extremamente afável noutros, no espírito do “tem dias”… Para mim, que cresci a ouvir a TSF mesmo quando ainda não podia muito bem compreender o que estava por trás daquelas terríveis notícias fabulosamente cobertas da primeira guerra do Golfo Pérsico a voz e as crónicas do Fernando Alves, bem como outros trabalhos que passaram por reportagens e entrevistas, parece-me quase que ofensiva a alusão ao cronista como exemplo de mau comportamento na organização TSF.

Fernando Alves foi uma das figuras que criaram a identidade da TSF ao longo dos anos e mantém-se como um património, talvez mesmo o único que resta, da grande rádio que a TSF já foi. A questão central aqui é que as organizações SÃO as pessoas e são PARA as pessoas. A noção com que fiquei da ideia que foi transmitida é que as organizações não podem suportar identidades pessoais com carácter próprio, que não podem permitir que não se siga à risca um plano traçado num qualquer gabinete porque tudo está estudado ao milímetro incluindo as emoções geradas por cada frase, por cada entoação, por cada hesitação. As organizações necessitariam portanto de se desumanizar para se mecanizarem como homens e mulheres cada vez mais descartáveis, mudos e quedos nos seus lugares esquematizados. E o exemplo é melhor ainda porquanto se trata de um trabalho criativo. Fernando Alves é um mau funcionário mas que cumpre os seus objectivos e mantém um nível criativo invulgar. Porque não foi ainda descartado? Porque a relação custo – benefício indica que ele, ainda assim, como incorrigível incumpridor de regras, cumpre com os objectivos e realiza mais-valia para a sua organização.

Mas a questão não morre neste exemplo. Serão os portugueses um povo de intrujas e de calões que não querem trabalhar e que se desenrascam com o que apanham à mão? Essa é uma boa ideia para vender a quem tiver a vontade de, mais uma vez ser “comido” com verdades feitas que não passam de mistificações. Os trabalhadores portugueses são como todos os outros. Há-os de todas as formas e feitios e lá por fora são dos mais produtivos. Então se assim é, porque não acontece o mesmo por aqui?

Na minha opinião existe um ponto fulcral onde tudo falha no nosso país. Os quadros superiores e intermédios das empresas privadas e públicas são, na sua grande maioria entregues a pessoas pouco qualificadas, senão tecnicamente, pelo menos humanamente. Ou então tecnicamente a nível de recursos humanos. As organizações estão pejadas de escroques e escumalha autoritária de assalariados que se comportam como cães ao serviço de um único propósito, a própria ascensão e dos amigos. Aqui é uma realidade indesmentível. Somos um país de cunhas. Sem as cunhas não teríamos a orde de bestas a pilotar as nossas organizações, os criadores e fazedores de relações laborais precárias, os lambe-botas do sistema que os chicoteia mas ao mesmo tempo lhes oferece o chicote para a vingança nos elos mais fracos.

Na sua esmagadora maioria os quadros intermédios e mesmo muitos superiores são escolhidos entre os que revelam mais desumanidade, os cães raivosos e irracionais das instituições que são capazes de destruir tudo por onde passam. Só assim se explica que a produtividade seja muito mais baixa por aqui. É que os quadros intermédios e superiores são, eles mesmos, incapazes de gerir, não as organizações em si, mas as pessoas. Acontece que as pessoas são a única verdadeira riqueza estável de uma organização e podem ser tão produtivas quanto melhor forem geridas, quanto melhor se souber proporcionar relações estáveis de trabalho, estímulos realistas à produção, informação concreta e em tempo real da situação financeira das organizações, participação nas ideias e nos resultados produzidos pelas mesmas, estímulos à vinculação às funções onde cada um esteja mais adaptado e se sinta bem.

Não vale sequer a pena falar das questões salariais. É ridículo pensarmos que temos de ter excelentes profissionais quando por pouco menos dinheiro, poderiam estar em casa a servir-se dos dinheiros públicos para financiar o desemprego. O desemprego e o baixo consumo privado devem-se primariamente à cultura de baixos salários e de altos impostos (que não seriam altos se o Estado cumprisse as funções para as quais são recolhidos). Os trabalhadores no activo acabam por financiar toda a actividade económica do país. Ainda se lhes deve pedir mais? Não será agora a vez que qualificar técnica e humanamente os nossos quadros das organizações? Não será a vez de terminar com a absurda ideia de que a competitividade gera melhor produtividade, em contraponto com a ideia de que a cooperação e o trabalho organizado de equipa é factor de mais estímulo e melhor desempenho? Que a alta rotatividade de quadros gera menos despesa com pessoal em contraponto com a ideia de que a estabilidade gera maior confiança e mais identidade com a organização levando por sua vez a maior e melhor produtividade?

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