quarta-feira, 9 de julho de 2008

As FARC, de Saramago a Fidel.

O testemunho natural de um mercenário americano agora libertado e entregue à puta que o pariu da sua grande pátria americana pareceu-me apenas mais um passo na estratégia para transformar as FARC numa força meramente terrorista. As palavras do luso descendente foram justamente essas reforçando a ideia de que as FARC não são uma força revolucionária mas uma bando de crueis terroristas.

Mesmo que o teatro não estivesse já encenado há muito seria de todo natural que alguém que esteve sequestrado durante anos reaja com esta leveza de língua e de pensamento. Mas as palavras mais ou menos estudadas saem em favor de uma necessidade de desacreditar uma guerrilha que se quer desmantelada a todo o custo.

Não posso colocar de lado os testemunhos que li e ouvi de gente que partilhou dias, semanas e em alguns casos meses com elementos desta guerrilha e que contam o que se passa naquele núcleo de rebeldes que escaparam à subserviência ao partido comunista colambiano por não compreenderem como pode o partido não reagir à postura criminosa do governo e das forças para-militares que ao longo das últimas décadas têm eliminado massivamente a esquerda colombiana. O Partido sempre reagiu politicamente e participa (desembrado pelo constante assassinato de militantes e eleitos) na vida política fantasiosamente normal da Colombia. As FARC são o produto violento da violência oficial de estado apoiado no narco-tráfico com a benção e os dólares do amigo americano do norte.

Há algum tempo José Saramago disse sobre as FARC que se tratava de um bando de criminosos e não de um grupo de guerrilheiros. O meu profundo respeito por Saramago levou-me a pensar que a verdade estaria algures a meio entre as palavras de Saramago e os textos produzidos com alguma raiva e muito desapontamento por muitos comunistas portugueses em defesa das FARC. Reli então alguns textos sobre a Colombia, o seu processo político e a sua história e lembrei-me de alguns textos publicados então no "Avante!" por Miguel Urbano Rodrigues. A ideia foi reforçada por todas estas palavras. Saramago disse o que pensava e disse-o de uma forma clara como comunista que sempre foi. Um comunista que sempre pensou livremente à margem de todos os "ismos" que feriram de morte o legado ideológico de Marx, Engels e Lenin.

Nada há de comum entre a análise de Saramago e a do mercenário americano. As mesmas palavras têm aqui sabores radicalmente diferentes.

Tenho uma certa relutancia em considerar as FARC como terroristas dado o contexto no qual nasceram e cresceram num país profundamente ferido. Daí que as palavras de Fidel tenham sido de tal forma esclarecedoras que me levaram a compreender qual o meio termo onde devemos encaixar a tal verdade sempre procurada. Fidel, posicionou as FARC no papel necessário de força revolucionária e de guerilha, mas criticou (no seguimento do imenso esforço levado a cabo pela Venezuela, Equador e França), a forma de acção deste grupo apelando a que todos os reféns sejam libertados. Os sequestros foram uma arma que apenas surtiu efeito contra a própria guerrilha e trouxe inimigos à sua causa dentro e fora do campo ideológico, mas sobretudo prestou um péssimo serviço à causa socialista em qualquer ponto do mundo. Mas Fidel alerta para o facto de que não devem as FARC depor as armas. Entendo (por pura liberdade imaginativa) que Fidel esteja a puxar as orelhas a uma forma de agir que não se enquadra na visão revolucionária vista pelos olhos de um velho combatente entrincheirado e bloqueado mas livre de pensar e com uma revolução em grande medida vitoriosa.

Entre Fidel, Saramago e Miguel Urbano Rodrigues, três comunistas diferentes que igualmente admiro, escolho as palavras dos três como verdade não deixando de ter uma ponta de desejo de ver continuar uma luta, certamente com outros contornos e necessariamente com a libertação de todos os reféns, das FARC em território de uma América que parece querer acordar do pesadelo do imperialismo do vizinho do norte. Vizinho que já colocou forças armadas marítimas ao largo das costas do hemisfério sul... e que falta faz o Che.

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