quinta-feira, 21 de agosto de 2008

As manobras – Da Georgia a McCain

George W. Bush está longe de ser um presidente popular nos EUA. Por vários motivos a população americana tem vindo a desviar-se da própria imagem que o seu presidente passa quer interna quer externamente. Contudo, e pese embora o facto de que não existem grandes diferenças entre os dois candidatos às próximas “eleições” para a Casa Branca, deu-se a necessidade de manter uma linha contínua na estratégia norte-americana perante o mundo e perante as necessidades específicas dos EUA.

Este país necessita sobretudo de um processo de guerra ininterrupto sem o qual lhe é impossível manter a estratégia da defesa das potenciais ameaças mas que também vai alimentando as indústrias ligadas ao armamento. Por outro lado, este clima de constante ameaça criado e encenado constantemente permite os avanços um pouco por todo o mundo dos peões militares americanos para posições que são do seu maior interesse. É o caso da base que está já acordada na Colômbia, de onde poderão estar em posição para intervir ainda mais directamente na Venezuela e em países próximos que estão a desviar-se do caminho pretendido pelo interesse económico e militar dos EUA. A Colômbia oferece uma plataforma de reacção aos movimentos que têm vindo a crescer para a libertação da América Latina da subserviência aos interesses dos vizinhos do norte e a consequente miséria que daí advém.

Como não existem coincidências em política, foi assinado hoje o acordo com a Polónia para a instalação de mísseis de defesa neste território. Acontece que neste mesmo dia a NATO suspendeu actividades conjuntas que haviam há muito sido planeadas com o “parceiro” estranho que é a Rússia. Este país responde na mesma moeda e mostra-se incomodado pelo avanço dos EUA para territórios onde a Rússia tem uma influência histórica notando que existe uma clara intenção de afronta.

Para justificar perante o mundo a necessidade dessas estranhas expansões do universo de influência militar e da presença física de armamento de destruição em massa e de esquemas complexos de defesa perante ameaças na Europa de leste, os EUA encontraram o aliado e as circunstâncias perfeitas. A Geórgia e o seu presidente Saakhashvili serviram bem os intentos americanos ao terem despoletado a invasão do território da Ossétia do Sul que se encontrava sob a protecção de forças de manutenção de paz russas. Saakhashvili aparece pela primeira vez nas televisões no ocidente a acusar a Rússia de uma agressão militar à Geórgia e toda a comunicação social apresenta o caso como uma agressão russa directamente à Geórgia sendo menosprezada ou mesmo totalmente ignorada a história por trás da História.

Estando ancorados no dia de hoje, ao vermos alguma comunicação social e particularmente a intervenção de Cândida Pinto na SIC Notícias (a única directamente sobre este tema) todo o tempo da reportagem recaiu sobre a população de Gori na Geórgia e as dificuldades a nível humanitário. Este é um pequeno exemplo a uma minúscula escala do que é mostrado por todo o mundo. Imagens da Ossétia do Sul depois de invadida por tropas georgianas não existem ou se existem pura e simplesmente são ignoradas. Não querendo fazer juízos de valor quanto a uma guerra onde sempre existem dois lados de culpa, o problema aqui recai sobre a forma como esta é apresentada ao mundo na mesma sequência de mentiras como a ligação do regime Taliban a Bin Laden, a ligação nunca provada deste aos supostos atentados de 11 de Setembro, a existência de armas de destruição em massa no Iraque ou mais recentemente a questão lançada da corrida ao armamento nuclear por parte do Irão quando as autoridades fiscalizadoras oficiais dizem que é falsa esta ideia. Ainda que não o fosse ao Irão teria por força de razão de ser dado o mesmo direito que foi concedido ao Paquistão ou mais recentemente à Índia pelos próprios EUA.

Saakhashvili aparece em todas as suas intervenções com a bandeira da União Europeia por trás (sem figuras de estilo e com elas). As imagens televisivas dão a impressão de que estamos a falar de um país membro da EU e que ostenta os seus símbolos com mais orgulho que alguns países membros de há muto tempo. Os EUA estendem a mão e querem a Geórgia na NATO. O mediador auto-escolhido para esta questão é Nicolas Sarkosy que apresenta uma solução que, alcançando um entendimento, secundariza a Rússia e serve os interesses dos EUA e da NATO.

Ainda hoje – para continuar a saga das não coincidências – Bush declara que “não se pode colocar em causa a integridade territorial da Geórgia” e que Ossétia do Sul e Abkhasia fazem parte dessa realidade. A Rússia é assim isolada política e mediaticamente pelo ocidente. A mesma Rússia que desde Yeltsin entrou numa dualidade de se ter transformado num país governado por máfias mas com um crescimento e com um aparecimento de fortunas obscenas em paralelo com um crescimento de miséria e de retirada de situações dadas como direitos adquiridos e conquistas sociais da era contraditória da tentativa de construção socialista. A identidade da Federação Russa de Putin não é a da URSS mas Putin e a aliança Putin – Medvedev restabelece um certo auto-reconhecimento da Rússia como potência mundial e devolve algum espírito nacionalista e patriótico ao povo russo no bom e no mau sentidos.

Para compreendermos o interesse dos EUA basta dizer que a empresa estatal russa GAZPROM é o maior exportador energético do mundo. Acontece que a Geórgia e a Ossétia do Sul estão num ponto de passagem dessa mesma energia para a Europa Ocidental. Na realidade a Europa depende mais da Rússia que dos EUA.

Apenas para enquadramento, antes destes acontecimentos, a 21 de Julho foi divulgada uma notícia que revelava a suposta intenção de instalação de uma base militar da Rússia em Cuba. Raúl Castro ignorou a notícia e apenas Fidel escreveu poucas linha sobre este tema denunciando aquilo a que designou como “estratégia de Maquiavel”, ou “ Se dizes que sim mato-te, se dizes que não mato-te na mesma…” por parte dos EUA. Durante a visita de Hugo Chávez à Rússia, imediatamente antes da passagem dele por Portugal foi lançada a ideia que havia sido acordada a instalação de uma base russa na Venezuela. Chávez, já em Portugal ridicularizou esta manipulação jornalística nada inocente.

Para completar o rol de não coincidências no dia de hoje sai em diversos meios de comunicação social americana e internacional a notícia de que, pela primeira vez o senador McCain está à frente nas sondagens para a presidência dos EUA…

2 comentários:

Planetas - Bruno disse...

Caro Paulo,
"a Venezuela está num ritmo de crescimento que apenas nos melhores sonhos poderia ser possível na Europa neste momento..."

Esse crescimento apenas se deve aos valores record do petroleo (nunca antes vistos na Venezuela)e não à consolidação do aparelho produtivo do País. Ainda assim, veja os níveis de défice e inflação em que está mergulhada a Venezuela, apesar de tanto dinheiro que tem entrado durante o consulado de Chavez.


"não existe bem-estar do povo se não existir independência dos interesses do grande império norte-americano"

Não se a que se refere...mas posso-lhe garantir que, quer o Chile quer o Uruguai, ou mesmo a Colombia vivem muito bem sem o complexo da esquerda chavista.

"Hugo Chávez já foi alvo da acção directa e indirecta (através dos media) com o seu derrube através de golpe de estado, com dois dias de poder fascista, e com a reposição da normalidade constitucional com o povo na rua a exigir de volta o presidente eleito"

Curioso que o individuo que, em 2 ocasiões, foi responsável por um Golpe de Estado contra Carlos Andres (presidente eleito) é o mesmo que tantas vezes acusa os outros de Golpistas. Mais ainda, o General do Exercito que anunciou na TV e Radio a suposta demissão de Chavez em 2001 é hoje o actual Embaixador da Venezuela em Portugal.

"as coisas não avançam se acreditarmos que o poder da classe dominante pode ser cedido pacificamente sem qualquer tipo de resistência ou de manobras"

Nos dias que correm essa afirmação mais parece uma citação de um discurso de Stalin.

Abraço e boas férias

Paulo Mouta disse...

Agradeço desde já o seu comentário e a passagem por este humilde blog.

Coloca uma série de questões muito pertinente embora nenhuma responda à questão prática da impossibilidade do mundo capitalista e imperialista coexistir pacificamente com países governados por uma esquerda socialista. Impossibilidade essa que rapidamente é traduzida em agressões de várias formas, desde boicotes, bloqueios, golpes, atentados, assassinatos e muitas manobras de bastidores.

Começando pela questão do petróleo, que é a mais importante de todas e a única pela qual a Venezuela tem algum significado para os EUA. Uma vez que fala de Carlos Andrés Perez, um social democrata com algumas posições progressistas que se opôs a regimes como o de Pinochet, por exemplo, caiu em duas armadilhas que lhe custaram e sobretudo que custaram à Venezuela décadas de dependência. Um país que é o quinto maior produtor de petróleo do mundo vê-se em 1989 na posição de pedinte perante o FMI, essa famosa instituição da qual Chávez se libertou. Um empréstimo de 4,5 biliões de dólares aprisionou a Venezuela e manteve-a debaixo das rédeas do FMI e dos seus maiores impulsionadores. Andrés Perez foi o governante que terminou o processo de nacionalização da empresa petrolífera Venezuelana, contudo, os benefícios para o estado venezuelano com a exploração da sua própria riqueza natural sempre estiveram muito aquém do que podia e deveriam estar. Mas pior do que isso é o facto de nunca ter havido um benefício real para o povo venezuelano no concreto.

No interesse venezuelano a primeira coisa que Chávez realizou a este nível foi a tentativa de concertação com a OPEC que nunca se levou muito a sério e que, por isso mesmo, nunca levou a Venezuela muito a sério. A Venezuela foi, durante décadas produzindo indescriminadamente e Chávez optou por uma via de imposição de quotas produção e pela participação em empresas de capital público em parcerias com vários países (China, Cuba, Brasil), mas também optou por adquirir algumas companhias privadas nomeadamente nos EUA e na Europa (Alemanha, Holanda…).

Isto para dizer que apesar desse dinheiro que entra na Venezuela e nomeadamente da “sorte” desta subida exagerada dos preços, a Venezuela tem vindo a participar activamente em processos que fizeram com o disparasse o défice público, nomeadamente a questão da libertação do FMI e a criação de realidades económicas importantíssimas como a ALBA, o Mercosur. A Venezuela tem ajudado muito activamente outros processos semelhantes em países vizinhos. Tanto que a intriga política americana acusou Chávez de ter ajudado a guerrilha colombiana naquele espantoso golpe de teatro onde num cenário de destruição completa supostamente um computador teria ficado intacto e com informações fifedignas contra Chávez. Quanto à inflação é preciso que se tenham em conta todos os processos de boicote que existiram por parte das grandes empresas de distribuição e retalho que literalmente paralisaram o país numa manobra pol+itica de grande importância.

No entanto, deixe que lhe diga que, ao contrário do que possa pensar tendo-o escrito, eu não tenho sequer qualquer simpatia pelo stalinismo. Muito pelo contrário. A simpatia especial que tenho desde as segundas eleições que Chávez ganhou democraticamente por este senhor nada tem a ver com essa partilha da visão anti-imperialista. Vem de algo muito mais simples. Um processo revolucionário que nasce de uma estrutura informal com muito pouca influência do Partido Comunista da Venezuela e mesmo por vezes à sua margem parece-me algo de novo e de histórico. Relembro o processo tão propagandeado do lado de lá e do lado de cá das indústrias dos “Sanitários Maracay”. Após um processo complicado de boicote e tentativa de encerramento desta empresa os trabalhadores pediram a nacionalização da mesma e o governo de Chávez nacionalizou 49% e colocou a maioria do capital nas mãos dos próprios trabalhadores. Não satisfeitos com aquela que a mim me parece a solução ideal, de certa forma instigados pelo PCV os trabalhadores saíram mesma para as ruas a exigir a nacionalização total desta empresa. Penso que nesta situação e noutras que eventualmente surgirão o ideal socialista de Chávez está muito mais próximo daquilo em que desde há muito acredito. Para que perceba, eu admiro historicamente o Marechal Tito da Jugoslávia e nunca a sua antítese que foi Stalin.

Eu acredito que o Chile ou a Colômbia vivam bem sem o que chama de complexos da esquerda. Mas pode somar mais um, o Brasil. E este país tem mesmo na aliança de governo um partido comunista que ajuda a suportar a importante mas contraditória acção de Lula. Também neste país existem duas visões algo interessantes. Há quem pense na participação do PCdoB como uma traição e há quem a veja como um mal menor ou bem maior a favor de uma não radicalização política no Brasil que poderia levar ao mesmo tipo de represálias que há muito sofrem outors países próximos nomeadamente Cuba. Ao mesmo tempo que Lula anuncia que quer ser o primeiro parceiro comercial com Cuba aceita participar numa intervenção militar no Haiti em conjunto com as forças norte-americanas. A abordagem soft da esquerda brasileira tem mesmo custado o não progresso nas realidades sociais que foram as plataformas para a vitória eleitoral de Lula. Mais uma vez acredito que o ponto ideal estará algo entre as duas visões. Existe nas análises contraditórias dos PCdoB e do PCB muito de verdadeiro mas o pragmatismo da governação no Brasil neste memoento não será de aventureirismos revolucionários. Veremos como evolui Cuba e Venezuela… De qualquer forma pode juntar o Brasil à sua lista de troféus de uma certa traição à realidade neo-colonial da América do sul e aos processos de libertação que se têm vindo a formar. Mais uma vez repito, à margem dos partidos comunistas, o que torna estes processos bem mais interessantes e mesmo inéditos.

Compreendo que na sua análise tenha optado por considerar que o povo que elegeu Andrés Perez pariu um voto mais digno e mais legítimo que aquele que elegeu Chávez. Além disso deve com toda a verteza estar a esquecer-se de que Andrés Perez foi preso por duas vezes por desvio de fundos. A primeira vez custou-lhe mesmo o mandato e tratou-se de um desvio de 250 milhões de bolívares que, segundo o próprio teriam sido para um fundo de apoio ao processo eleitoral na Nicarágua. A mesma Nicarágua que deu também origem ao tão conhecido “Irangate” ou “Iran-Contras” em que os EUA vendiam armas a uma facção moderada no Irão para derrubar o regime dos Ayatollas retirando uma parte dos proveitos para financiar também os “contra” na Nicarágua… ou como o mundo é pequeno e não existem coincidências em política. Andrés Perez foi preso mais uma vez pelo mesmo crime contudo a sua eleição para o senado retirou-o da prisão. Chávez dissolveu o senado quando eleito e a Venezuela passou a ter apenas um parlamento.